Depois do belíssimo concerto da Camerata Ensemble, criei coragem e fui tentar uma conversa com o Jornalista Irineu Franco Perpétuo. A maior parte do público já havia ido embora, os músicos começavam a organizar suas coisas. Eu, então, comecei a me dirigir para o palco – extremamente nervosa, pois não sabia como os músicos iriam reagir, se o Perpetuo aceitaria dar a entrevista e se era permitido subir ali, sem ter perguntado a ninguém se poderia. Fui, cumprimentei o baixista, um tanto gaga. Dei-lhe os parabéns. Ele perguntou se eu também tocava, e eu respondi: “Contra-baixo eu nunca toquei, mas por um bom tempo toquei violoncelo”, e depois completei, um tanto insegura e um pouco baixinho, “na verdade gostaria de pegar uma entrevista com o pessoal”. Depois de dizer isso, quase desisti. Então pensei, eu já estou aqui, vou até o fim.
Em seguida avistei o Homem, que não estava longe, mas com o nervosismo nem tinha visto direito. Me aproximei e disse: “Oi, tudo bem. Eu sou estudante de jornalismo e queria pegar uma entrevista com o senhor, pode ser?”. Ele prontamente respondeu que sim, pediu que eu não o chamasse de senhor e falou para eu mandar as perguntas. Eu o puxei para a luz, pois ali não conseguia ler minhas perguntas improvisadas sobre os espaços em branco do programa. Apesar de em alguns momentos ter gaguejado e deixado escapar alguns “senhor”, consegui fazer uma bela entrevista.
Tenho que agradecer por ele ter sido tão acessível e receptível à minha entrevista. Uma figura bastante simpática e com muito à ensinar para mim, tanto sobre música quanto sobre jornalismo.
Foram 8 minutos de uma deliciosa entrevista, que realmente valeu a pena ter feito.
Irineu, como o senhor começou sua carreira e veio a se tornar um dos grandes nomes do jornalismo quando o assunto é música clássica?
Eu comecei como jornalista, na época de faculdade ainda, trabalhei numa fm que tocava música pop, a Jovem Pam. E na época, até o Emilio Zurita, do pânico, era locutor. Faz um bom tempo. Mas depois desse emprego eu fiz o trenee da folha de S.Paulo e fui trabalhar na redação do jornal. Acabei trabalhando no Acontece, que era roteiro da ilustrada – não existia o guia da folha. E escrevendo algumas matérias para a ilustrada acabei, completamente por acaso, me especializando em música clássica.
Para você ter uma ideia, o treinee da folha era um programa que era sempre direcionado para alguma área, e eu fiz treinee para jornalista esportivo. Uma área que não tem absolutamente nada a ver com a área que eu fui me especializar. O que mostra que na vida, como no jornalismo, é tudo muito aleatório, a gente não escolhe muita coisa. (ri)
Como está cenário da música erudita, tanto no Brasil quanto no exterior, atualmente?
Para música de concerto eu creio que nos últimos 10 anos, um pouco mais do que isso, a gente está num circulo virtuoso aqui no Brasil. Num circulo de crescimento de investimentos e de ampliação de público. Acredito que o fenômeno “detonador” disso foi tudo que aconteceu na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, que existia desde a década de 1970, mas em 1990, se fez a Sala São Paulo. Houve um investimento muito importante nessa orquestra. E ai ganhou visibilidade, atraiu mais público e teve uma série de investimentos análogos, mais ou menos na mesma época.
Em Manaus, o teatro que existe desde o século XIX, mas nessa época o teatro começou a receber investimentos para que tivesse uma atividade regular, foi criado uma orquestra e um festival regular lá. E, desde então, as orquestras brasileiras, mesmo as que já existiam, resolveram tentar criar esquemas profissionais para se parecerem – dentro da sua realidade –semelhantes à OSESP. Então a gente vê, que por muito tempo o nordeste ficou sem orquestra regular, e agora no Sergipe temos uma orquestra bem bacana. Em Minas Gerais, a Filarmônica, que existe há dois anos, teve um salto de qualidade muito grande. A Sinfônica Brasileira do Rio de Janeiro, que tem 70 anos, nesses últimos quatro resolveu reinvestir, voltar a querer ser grande.
Então, para a música de concerto especificamente, que é uma atividade de público minoritário, esse público parece que está crescendo e estão aumentando os investimentos nessa área. Então é possível ser otimista com isso no Brasil, hoje.
Podemos dizer que está em plena expansão no momento?
Está em expansão, claro que ainda é pequenininho, mas o que antes era minúsculo agora não está tão minúsculo. Está crescendo sim, mas dentro de suas possibilidades. Não vai passar nunca passar por cima da Cláudia Leite, etc. Dentro do que ele pode ser ainda dá para crescer ainda mais.
De que maneira as novas tecnologias estão refletindo no cenário musical hoje?
Nada mais benéfico que as novas tecnologias para a arte e cultura em geral. Estamos numa época em que estamos próximos ao limiar de ver todo o acervo cultural e simbólico da humanidade digitalizado, portanto disponível digitalmente na Internet. Isso é maravilhoso para todo mundo, especialmente para o criador. E na música, diminuiu o custo de gravação, o custo e a dificuldade de distribuição e a divulgação do trabalho. Então hoje está em crise, está em cheque, e nunca mais será o mesmo, aquele modelo Madior My BroadCast (que quer dizer que cinco diretores de gravadoras se reúnem, pagam jabá para dez diretores de programas de rádio e de TV e decidem que só aquilo é que vai tocar e ser conhecido). Este “esquemão” ainda existe, mas ele está em erosão – Felizmente – devido ao avanço das tecnologias que permitem a troca e compartilhamento cada vez mais rápido de arquivos. Nos temos que festejar e saludar o fim da industria da intermediação; o fracasso da industria fonográfica; e o afloramento do novo jeito de se comunicar entre os músicos e dos músicos com seu público.
Quais os novos desafios que essas mudanças tecnológicas, novas comunicações e mudanças nos modelos de negócios trazem a tona?
O principal desafio é a gente impedir e bloquear a industria que quer criar barreiras artificiais de mediação entre você e o artista, quando essa barreira, tecnologicamente, não existe mais. Eles querem ser os bilheteiros desse “museu imaginário” que está feito na Internet e querem cobrar muito caro por esse bilhete. Isso é inaceitável. O desafio e a gente evitar esse controle artificial que quer ser imposto. E no Brasil, tem um exemplo recente que é o projeto de lei do senador Eduardo Azeredo, que nós chamamos de “Hi5 digital”, esse projeto é absolutamente inaceitável, e deseja coibir as práticas de trocas de arquivo e bloquear aquilo que a Internet tem de melhor. Então é realmente um desafio impedir que a velha industria, que felizmente está morrendo, queira renascer por meio de uma legislação que completamente arcaica, nociva e autoritária.
Quais os maiores nomes dos compositores, ou interpretes, contemporâneos?
Olha, na música contemporânea, a coisa entre compositor e interprete tem uma diferença bastante grande. Inclusive, o circuito de musica contemporânea é, para a música erudita, mais ou menos o que as bandas de garagem são para o pop. É um circuito quase a parte, é muito difícil você transbordar os compositores contemporâneos e coloca-los na vida regular musical. Normalmente um circuito é contemporâneo e o outro é um circuito Manstrin em que toca Bach, Beethoven, Brahms, Mozart.
Na criação contemporânea a gente tem grandes nomes tanto no Brasil quanto fora. Eu considero grandes compositores o Almeida Prado, também o Marlos Nobre. E ai você tem compositores um pouco mais jovens como Hery Crow, André Memário. Tem muita gente produzindo musicas bastante interessantes e, ao mesmo tempo, muito diferentes de um para o outro. Não tem uma corrente estética hegemônica. Isso é um reflexo também do que acontece la fora, e me parece ser um traço irreversível da pós modernidade. Não vai existir uma corrente estética determinando, sempre o criador vai tentar buscar essa linguagem individual e por meio dela ser reconhecido.
Quais outros músicos poderia citar? Alguma dica para o leitor que quer conhecer mais sobre música?
A dica, hoje com a Internet, sempre é que, bom hoje não temos desculpa para ser ignorante. Isso vale para todo mundo, para o jornalista vale mais. Em termos de música, você dá um clique no YouTube, MySpace, no site do “cara”, da um clique no google, enfim um nome que você vê que você não conhecia você procura e vê como é o cara, como é a música, etc e tal. Essa é a principal dica, usar o meio digital a nosso favor.
E quando às suas expectativas para os próximos anos?
Espero que as tendências positivas se aprofundem e, especialmente a gente consiga derrotar os “Eduardos Azeredos” e os “hi5 digitais”, e continue desfrutando de todos os benefícios que a tecnologia oferece para as artes e para o conhecimento.